Inovação da boca pra fora

Uns anos atrás quando a empresa se dizia “inovadora”, era chique, era bonito, era status. Na verdade o que percebi (em 2014) é que as empresas não querem inovação. Inovação para as pequenas e médias empresas significa risco, e ninguém quer arriscar nos negócios.

Procuramos várias destas empresas “inovadoras” para apresentar nossos produtos e serviços inovadores, e digo que quase nenhuma delas “topou” inovar… queriam era “mais do mesmo”.

Inovação em processos?

Nosso principal produto em 2011 era o Integre.se, um sistema de comunicação interna voltado para organizar a empresa utilizando-se de um potente gerenciador de processos, que levava para cada usuário suas etapas nos processos, facilitando a troca de informações e gestão do andamento das rotas da empresa. Além disto o sistema tem toda uma filosofia de colaboração, endomarketing e rede social interna. Nada de só timeline e troca de mensagens, é um sistema que dá aumento significativo de produtividade.

Dai, que poucas empresas que visitamos tinham processos definidos… mesmo as indústrias, não tinham ou não sabiam exatamente quais eram seus processos. Assim toda conversa já ficava mais complicada. Algumas tinham contratado consultoria, ou passaram por projetos do Sebrae e mapearam alguns processos, mas, aquilo era impresso, emoldurado, pendurado na parede (ou ficava numa pasta na gaveta), mas não tinham como ser lembrados e seguidos no dia-a-dia.

Dois ponto zero? Quatro ponto zero?… Não! Zero.

As palavras “colaboração” e “compartilhamento” também causava medo nestas empresas, que logo se imaginavam perdendo o controle da informação, achando que de uma hora pra outra tudo estaria disponível publicamente na internet.

Se por um lado não queriam nada que permitisse que os colaboradores tivessem acesso a informação, por outro tinham uma rede local sem qualquer controle de acesso, onde qualquer pessoa poderia “plugar” um pen-drive e copiar todos os arquivos da empresa, para ler em casa ou mostrar para um conhecido próximo.

O maior medo destas empresas é com o concorrente. Se preocupam mais com os concorrentes do que com os clientes.

Pagar pra que?

Eu pensava que veria datacenters, servidores virtualizados, ótima infra-estruturas de tecnologia de informação e muito conhecimento nestas empresas… mas o que vi eram “servidores” com Windows XP pirata, redes sem fio com baixa segurança, funcionários sem qualquer capacitação e um técnico obsoleto responsável pela “informática”, fumando igual a uma chaminé e torcendo para chegar sexta-feira. 

Pagar pelo Windows? Pagar por suporte? Pagar para capacitação? Pra que?

A direção destas empresas pensam que seu servidor ali (XP pirata) é mais seguro que um servidor na nuvem (Amazon ou Google), que online “alguém entra e rouba tudo”.

Cultura

A cultura é a seguinte, “chegue no horário, trabalhe calado, não reclame do salário nem peça aumento, as ideias novas deixe pra depois, concentre no trabalho“. Qualquer projeto que proponha uma nova filosofia para estas empresas colocará em risco esta cultura já existente, que sempre funcionou.

Não vou dizer que estes empresários estão errados (só eles sabem as dificuldades para chegar até os dias de hoje), mas, querer inovar em empresas como estas é “dar murro em ponta de faca”.

Inovar pra que?

As empresas que se diziam “inovadoras”, não tinham nada de inovação, a inovação foi alguém (ou alguma agência de marketing) colocar os dizeres “empresa inovadora” pra ficar mais chique, afinal, quem inova se destaca no mercado (fica melhor que o concorrente).

O que as empresas realmente buscavam é algo que diretamente aumente as vendas, que melhore o lucro. Não pode demorar pra isso, nem pode criar nova cultura na empresa. Qualquer coisa além disto não terá serventia ou irá atrapalhar as pessoas no seu trabalho.

Este post ao meu ver expõe a realidade de grande parte das empresas de Juiz de Fora (em 2014), mostra como o mineiro é desconfiado, tradicionalista e reflete um histórico do mercado e da forma de se fazer negócios na cidade.

Olhando pra trás

Adicionado em novembro de 2018:

No tempo em que escrevi originalmente este post eu tinha um produto que serviria como uma luva para  muitas empresas, e prestava serviço diariamente para algumas indústrias da cidade. Olhando pra trás agora percebo que muitas daquelas “empresas inovadoras”, morreram, não existem mais,  foram engolidas pela modernidade e não tiveram capacidade de se atualizar, para ao menos lutarem em nível de igualdade com seus concorrentes.

Tenho participado de grupos e discussões com alguns representantes de instituições, e vejo que muitas empresas tradicionais estão em linha descendente, porque demoraram muito para se ligarem na tecnologia, para acompanhar as tendências, ou para se abrirem ao novo. 

Realizamos estes dias um grande evento de startups onde só foi falado de inovação, tendências e oportunidades. O evento aconteceu dividindo espaço com a Federaminas, onde os empresários tradicionais estavam. Dos mais quinhentos lá presentes, menos de uma dúzia foram ao espaço das startups buscar conhecimento e atualização. O que é uma pena. Quantos deles estarão ainda no mercado ano que vem?

Adicionado em março de 2023:

Muitas destas empresa não existem mais. Não sobreviveram mesmo ao avanço da tecnologia, uma vez que alguns concorrentes se otimizaram, outras ficaram pra história.

Com o advento da pandemia, muitas outras se deterioram e não resistiram.

Vamos ser inovadores, como um museu!

Sei que parece piada essa história. Me convidaram para uma reunião no Centro Industrial em 2020, onde queriam discutir uma forma do CI inovar, se destacar novamente, receber novamente um título de inovador.

Ficamos ali umas horas discutindo, dei diversas ideias, expliquei como pude meu ponto de vista sobre cultura, trabalho em conjunto, comunidades e inovação. Sai de lá até otimista, pensando que aquelas pessoas estavam mesmo pensando em tomar um novo rumo.

Uns dias depois da reunião recebo o que foi decidido: criar um museu do Centro Industrial de Juiz de Fora. Ponto final. Essa foi a única decisão resultante daquela reunião.

Até hoje (2023) fico chocado com isso. E pra você não achar que é mentira, segue o link da vakinha criada para captar os recursos. Afinal, crowdfunding é inovador.

 


Dossiê do Mercado de Tecnologia de Juiz de Fora

Este conteúdo faz parte de uma coleção de posts relacionados e que representam meu ponto de vista sobre o mercado de tecnologia e sua evolução na cidade de Juiz de Fora.




Tiago Gouvêa

Full-stack Developer, fazendo códigos desde o século passado. Criador da metodologia "Aprender programação em 20 horas" e diretor da startup App Masters, voltada para o desenvolvimento de aplicativos. Apaixonado por tecnologia e viciado em café.

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Respostas (2)

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  1. Fabio

    Concordo plenamente com as informações aqui listadas.
    As empresas que se dizem “Inovadoras” fazem de tudo para ter uma boa jogada de marketing e enganar as pessoas, e só valorizam o lucro próprio.
    Essa foi muito boa, até achei engraçado, Servidores com xp pirata!
    E pensar que as empresas nos passam uma ideia totalmente contraria do que elas realmente são! Realmente essas atitudes são do século passado, temos que pensar no agora e depois em um futuro próximo, com inovações que auxiliam a todos sem exceções!

  2. Dossiê do Mercado Tecnológico de Juiz de Fora Tiago Gouvêa

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